DINHEIRO SEM VALOR


DINHEIRO SEM VALOR*


Uma vez mais… a derradeira…
Ouvi-mos sons iguais…e igual caminho
Nos aponta ousada e igual cegueira!
As mesmas pedras ásperas, o mesmo chão daninho
A mesma aridez, a mesma estrumeira
A mesma dor da ave a quem roubaram o ninho

Mil vezes repisada tão escabrosa via
No-la apontam de novo como um Fado insano
Com a mesma persistência, a mesma teimosia
Mesmo quando da farsa já caiu o pano
E a abstracção se expõe, frívola e vazia
Ante o horizonte adusto do universo humano

O dualismo da culpa que esvoaça no ar
É igual sempre não muda, não varia
Há sempre um explorado, outro a explorar
Um banqueiro que arrebata a mais-valia
Um bode expiatório para desculpar
A selva que prossegue, opressora e sombria

É este o nosso avanço ó gente esclarecida
Carregada de saber e livros tantos!
É este o futuro, o amanhã da vida
Com que há séculos, nem vós já sabeis quantos
A miseranda humanidade é coagida
E forçada a verter milhões de prantos

Futilmente presos à abstracção grotesca
Eversiva e alvar de tal «sabedoria»
Pois ide frente a Minerva e sabei desta
Que é o sol e não a sombra quem nos guia
Porque a própria vivência nos atesta
Que trilhamos enganosa e torta via

Que hoje mais que nunca é exigível
Derrubar totalmente as provações
Em que o Homem nos surge…por incrível
E errado caminho aos tropeções
Como um ser humilhado e desprezível
Ante as mais vexatórias condições

Numa encruzilhada tenebrosa e dura
Onde tudo se procura e nada alcança
Porque é preciso achar vida futura
Que a presente a ninguém suscita esperança
Perde o tempo e vida quem procura
Nesta forma de vida uma mudança

Na sociedade dissociativa e do valor
Não cabe qualquer sujeito humano
A abstracção condu-la a seu favor
Rumo ao precipício umbroso e soberano
Onde porta não há seja onde for
E a força mais que a mente impõe seu dano

Primeiro não havia pão, pois não havia
Meios de o produzir p’ro obter
E hoje que os temos já, por ironia,
Por não termos dinheiro não há comer
Porque o esforço que o Homem fazia
  Também a máquina o faz mas sem valer!

Olhai o rei dinheiro, soberano e deus
Que o mundo conduziu a seu critério
Embora murchem já os louros seus
Num Éden que ninguém mais leva a sério
E nos prendeu por fim quais Prometus
Às fatais grilhetas do seu pseudo império

Quantos deuses, quantos… hoje e sempre
 Caíram e sumiram de entre nós
E o deus-dinheiro não é diferente
É inútil chama-lo, ouvir-lhe a voz
Pois toda a abstracção é impotente
Porque mais não é que sonhos sós

Na verdade a Humanidade… e não sou eu
O primeiro a lembra-lo a quem me lê
Tem no próprio dinheiro o mal seu
Se outra via não tomar ei-la à mercê
De sumir do Globo onde nasceu
Porque o abismo não poupa quem não vê!

*Título do último livro de Robert Kurz
Desaparecido a 18-7-2012.

Leonel Santos
Lisboa, Agosto 2012

MAIS AMOR POR FAVOR!


MAIS AMOR POR FAVOR! *

 

“Amai-vos uns aos outros!” disse alguém

Entendei-vos uns aos outros, não foi dito

Para quê repetir tão arcaico grito

Quando só de entender-se o mundo tem?

 

Que cidade é esta, que mentalidade

Controla estes bairros velhos de paredes limosas?

Onde as aranhas em fendas sinuosas

Criam sua prole no seio da liberdade

 

Onde a bicha-cadela anda à vontade

A conviver connosco há centenas de anos

Onde os ratos que entram e sai dos canos

São o retrato perfeito da modernidade

 

A parietária cresce como um bouquet virente

Dos Jardins suspensos da Babilónia antiga

Pendente de velhos muros onde a urtiga

Profetisa em silêncio o futuro da gente

 

Nestes velhos pardieiros actualmente

Ainda vivem a custo, a custo é bom se diga

Aqueles a quem a miséria mais castiga

E tem prometida a rua de presente

 

Uma ideia luminosa e ilustrada

Nestas velhas paredes, mandou agora pôr

Uns cartazes negros a concitar Amor

O que francamente é pior que nada

 

Vivei de Amor…Não lhe fujais!

A casa, a saúde, o pão, não têm valor…

«MAIS AMOR POR FAVOR», comam Amor

Encham a barriga até não poder mais!

 

Os cartazes das nossas autoridades

São astúcia de raposa mestreada

São estratégia e manha assaz velada

São de Thackeray A Feira das Vaidades

 

O Amor não cai dos céus como o granizo

É preciso ter abrigo, casa, vestes, pão

O Amor é a Vida em toda a extensão

E não se pode oferecer em frases de improviso


 

Longe vão os anos em que o Paraíso eterno

Era às mãos-cheias impingido à multidão

Mas hoje mudou-se o nome do papão

E promete-se-lhe Amor que é mais moderno

 

Mas como pode alguém, que sem pão fenece

Entre paredes frias, velhas, humedecidas

Mais prontas a tirar do que a dar vidas

Conjecturar Amor, que um cartaz oferece?

 

Seja onde for, ninguém o consegue ver

Nunca o Amor por cá encheu barrigas

Demais estamos velhos p’ra cantigas

Já ninguém nos consegue adormecer

 

Vassalos forçados de automático Sir

O dinheiro-deus, o soberano-mor

Quem pode entender visões de amor

Entre paredes velhas prestes a ruir

 

Enquanto um mundo bárbaro se afigura

E a Tecnologia dá passos de glória

Para nos desamarrar da pré-história

E nos colocar à nossa altura

 

O Dinheiro, deus e rei, logo a segura

E como lapa se agarra a nova História

Para presos nos ter à sua vanglória

Para manter o peso da nossa desventura

 

A Tecnologia nasceu libertação

Alforria nasceu, para bem da nossa espécie

Mas no seio do Dinheiro não viça e cresce

Antes dobra e redobra, a nossa dissensão

 

Para quê um cartaz, que apele em vão

Ao Amor, quando tudo se esvanece

Quando o Homem morre só, quando apodrece,

Entre farrapos velhos, dum velho colchão!

*Título de alguns cartazes colados

pela Câmara de Lisboa nas paredes

de alguns bairros da cidade.

 

Leonel Santos

Lisboa, Agosto 2013

QUADRAS E QUADOS DA TRAGÉDIA HUMANA


QUADRAS E QUADOS DA TRAGÉDIA HUMANA
 
Perdestes teus olhos e ouvidos
Mas teu falar é cada vez mais lesto
Para que serve ó Sociedade o teu protesto
Quando não funcionam teus sentidos?
 
Não vês que os olhos teus estão perdidos
Foges à Vida e buscas cegamente
A morte que dança louca à tua frente
Como os mortos outrora, em rituais fingidos
 
Queres a Vida ó Sociedade? Muda a tua falsa via
A mãe Natureza nos deu mente bastante
Para uma vida justa, humana e triunfante
E vivermos sobre a Terra em harmonia
 
Deixa a tua rota morta, a tua fantasia
Deixa a abstracção da tua velha mente
Não vês que a tua vida é imagem aparente
Que não passas de vã mercadoria
 
Cada um vale o que tem…Não és ninguém…
Vale a produção gerada em teu labor
Vale o que usurpas a quem gerou valor
Mas tu, Humanidade, não vales um vintém
 
Porque nada vale aqui quem nada tem
Ó mísera Sociedade! Tu não consegues ver
Que dantes não comias por não ter
E hoje, que tudo existe, não comes também!
 
Perdestes olhos e ouvidos… Heráclito chorou!
Vendo a irracional via da loucura humana…
O dinheiro que nos amarra e nos engana
Foi quem te ensurdeceu e te cegou!
 
Se o Homem, escravo em tempo ido
Já não é forçado às galés de outrora…
Vê que, modernamente, foi lançado fora
E é lixo industrial dum mundo apodrecido
 
Pensa desditosa Sociedade, pensa a fundo!
Que gritar não chega para remir teu mal
Não penses no Dinheiro, “essa abstracção real”
Esse deus indiferente, que está regendo o mundo!
 
Silencioso sempre, insensível, infecundo
Só busca o seu interesse é sempre igual
Se a Morte vale mais que a Vida vale
Que lhe importa a dor dum vagabundo
 
Temos de ter presente esta Verdade:
O Dinheiro é a Morte simulada
É o tudo que é, meramente o nada
É a Vida a prazo da Humanidade!
 
Não lhe podemos fugir com brevidade
Reconheço esse nosso impedimento
Mas não podemos tirá-lo ao pensamento
 Largo seria o passo para fatalidade
 
O Dinheiro leva ao fim da nossa espécie
Se não invertemos o mundo em que vivemos…
Se pensamos ganhar quando perdemos
Ou pensamos subir quando se desce…
 
Porque buscamos o Bem, se o bem não cresce
Nesta Sociedade morta, dissociativa e vã
Onde não há futuro, nem alva, nem amanhã
Como há milhares de anos acontece!
 
Sem uma vivência nova arquitectada…
Temos de conceber formas racionais
Para que não prossiga a vida mais
  Neste automático deus aprisionada
 
Porque o Dinheiro é tudo e não é nada
A velha experimentação dizer-nos-ia:
Que temos e teremos, nesta alegoria
Sempre dum “ lado a parede e doutro a espada”

Se vivemos no Dinheiro é com o dinheiro
Que teremos de lidar queira-se ou não
Mas será seu processo de automatização
Se o Mundo lhe não fugir o seu coveiro!

 

Leonel Santos

Lisboa, Julho 2013

QUADRAS E QUADROS DUM SISTEMA ABSTRACTO


QUADRAS E QUADROS DUM SISTEMA ABSTRACTO

 

Ouço o Homem soltar palavras ocas

Não sei o que reside em seu pensar…

Que o paraíso ainda irá chegar

Conforme prometeram sábias bocas!

 

Palavras nada próprias, nada poucas

De propósito ou não eu ouço errar

Será que há esquivança de pensar

Ou andam por aí Erínias loucas?

 

O Trabalho morreu não volta mais

E chamar um morto é grito vão

Foi depois de esgotar sua função

Que faleceu de causas naturais

 

Todos nós aqui somos mortais

Para bons ou maus não há excepção

E o trabalho foi como os mais vão

Deixando ao Dinheiro danos fatais

 

O valor que o dinheiro mostrar tentou

Foi trabalho usurpado aos racionais

Mas morto o Trabalho ele jamais

Pode erguer o pendão que alevantou

 

Se o Homem gera Valor ou o gerou

A máquina faz, empilha e armazena

Mas valia não lhe dá grande ou pequena

Sem valorar o Homem que expulsou

 

A praxe do dinheiro está esgotada

Pelo seu próprio sistema irracional

E se a produção do Homem já não vale

A máquina sem Ele, é também nada

 

Ó espécie-vergonha, infortunada

Quando podemos mais menos logramos

E tememos o mundo em que habitamos

Sem rumo, sem futuro, por cega estrada!

 

Somos nós a grande Humanidade

Filhos dos deuses, até, há quem o diga

Forçados pelos “sábios”, como o “saber” obriga

 Mil mentiras aceitar como verdade!

 

Assim chegamos a esta iniquidade

À fome, à mentira, à selva humana

Onde o Dinheiro nos prende e nos engana

Nos cárceres  infaustos da sua vanidade

 

Aqui estamos sem saber a nossa via

Se o nosso amanhã existe ou não

Vendo à nossa volta, crime e podridão

E o mundo a desabar dia após dia

 

Só que entre o dinheiro nada prospera

Como sobre escalvada e dura rocha

Onde nada viceja ou desabrocha

Haja ou não calmo estio e primavera

 

Mas se Tecnologia não atina e desespera

Sobre o ponto cimeiro a que subiu

E em vez de se expandir se contraiu

Até que tenha o Bem p’ra que nascera

 

Se não fabrica, não se expande e se detém

Porque não lho permite um mundo errado

Onde entre leis cegas de Mercado

Nada pode obter quem nada tem

 

No mundo do Dinheiro não há saída

Nem forma de escapar a tal algoz

                                                           A Tecnologia transmuda-se, é feroz

Porque a sua missão está invertida

 

 Parada e distorcida, impede o Bem

Por não poder expandir a produção

E o Dinheiro “real abstracção”

A torna como ao mundo em seu refém

 

Mas se dentro do Dinheiro é impedida

De libertar o Homem em sua acção

Ela é fora do Dinheiro libertação

Mas dentro do Dinheiro se opõe à Vida

 

Saibamos libertar a Vida humana

E a própria Terra-mãe que o ser nos deu

Saibamos que o Trabalho já morreu

E dos abstractos Céus valor não mana

 

Se temos mente valida e soberana

Fujamos mais ao grito do que à mente

Quando há mais fartura à nossa frente

Porque morre o mundo à fome, ó Terra insana!

 

Leonel Santos

Lisboa, Julho 2013

DA DISSOCIAÇÃO


DA DISSOCIAÇÃO

Passou-se na velha Pérsia, hoje o Irão
Que um certo Zoroastro andou por lá
Dando ao mundo a explicação
Do que viu e deduziu e aqui está:
Sugeriu que a vida é competição
Duma divindade boa e doutra má

Mitras*-- explicou— é inimigo de Ahriman*
Como Ahriman do infinito Ormuzd*
É Mitras que produz a fulgência da manhã
Tal como Ormuzd supremo deus produz
Mas há perpétua luta fera e vã
De Ahriman que opõe a Treva à Luz

Odin*, o Pai de tudo, era o maior,
Imer* gigante, Pai do mal, o mais ruim,
A quem os filhos de Bor*, deus superior
Guerra lhe impuseram até seu fim
Levando o grão Gigante ao estertor…
Eis dos escandinavos o sacro folhetim!

Abel, o bom, foi morto por Caim
Consoante a lenda nos revela
Rómulo matou Remo pelejando assim
Em luta fratricida igual àquela
Porém os deuses bons vencem sempre ao fim
Mas a vitória da Vida ninguém sabe dela!

O sistema em que vivemos é loucura
Sofre de auto alergia permanente
A que remédio algum pode dar cura
Enquanto o Dinheiro estiver presente
E nos arraste sem pena à desventura
Tal Prometeu, no Cáucaso ardente*

A nossa Sociedade, nome conveniente
 Ao Dinheiro…que real a faz parecer…
Para que o seu valor, valor ausente
Sem nunca existir passe a valer
E impeça nosso abraço humanamente
Como a consciência diz que deve ser
*referencia aos vulcões do Cáucaso


Dissociados num sistema insocial
Forçados a caminhos indevidos
Seguimos um rumo irracional
Cada dia vivendo mais perdidos
Vamos forçosamente acabar mal
Sem conseguir jamais viver unidos!

Neste meio dissociativo só podemos
Ver interesses contrários e inconstantes
Na fetichista vida em que vivemos
Presos a mil acções sempre aberrantes
Onde firma a raiz dos seus extremos
O Dinheiro nosso deus, agora e dantes

Perguntem ao mundo se a corrupção
É causa ou efeito em nossa vida
E na resposta forense que nos dão
Posta à nossa frente de seguida:
É o efeito o réu, que a causa não …
Porque na lei do Dinheiro é ilidida!

Num sistema dissocial, instar porquê
Em chamar-lhe social teimosamente?
Onde de fome e miséria um mar se vê
Mas se a fome é social dizei-me ó gente
A fartura e a abastança são o quê?
Vivemos ou não dissociativamente!?

É isto a Sociedade me dizei!
Onde a fome quatro mata por segundo
É isto a Humanidade, é isto a Lei
É este o grande Coração do mundo…
É isto, fora tudo o que eu não sei…
Que é bem mais cruel e mais imundo!

A Natureza nos deu mente bastante
Para a nossa vida ser menos austera
E um mundo recriar mais abundante
Mas o Dinheiro miseranda quimera
Vai fazendo do Homem um Asevero errante
E um mutante mortal da nossa Esfera!
*Mitras, deus Sol dos persas
*Ahriman. deus persa do mal
*Ormuzd, deus persa da luz
*Odin, maior dos deuses escandinavos
*Imer, gigante mau dos escandinavos
*Bor, filho de Bure e pai de Odin
Leonel Santos
Lisboa, Junho 2013