Do Dinheiro



DO DINHEIRO

Sou o dinheiro-deus, o que vos manda, ó mísera Humanidade
Vós nada sois!… o meu império invade
De Polo a Polo, de Ocidente a Oriente
O vosso ilusório mundo, essa farsa decadente
Criaste-me, talvez, por cego desafogo
Fostes o manso cordeiro criando o lobo
Hoje nada valeis… hoje ó mísera Humanidade!
Sou eu, não vês, a suposta majestade…
Ninguém manda mais que eu nem é meu dono
Vede que sou eu, quem está sentado em vosso trono
Crede-vos filhos dos deuses, racionais, humana espécie
Mas Lei alguma, pensem bem, assim vos reconhece
Nem vós próprios divisais a vossa estrada
E correis cegos e loucos atrás de mim…atrás do nada!
Quando pretendem elevar-se e atingir o apogeu
Como os filhos de Noé querendo atingir o Céu
Que nesses velhos tempos ainda por cá existia
Enquanto o Sol andava e a Terra dormia!
Eu nada presto, nada sou e nada valho… «abstracção real»
E sou a vossa mísera Verdade…ó espécie racional!
O vosso trabalho estrebucha e sem ele não há valor
Porque está fora do Homem, seu exclusivo produtor
E em mim não há também qualquer valia
Se era o trabalho do Homem a fonte onde eu bebia!
Com o Homem desprezado e, projectado no saguão da vida
Como à estrumeira é lançada a fruta apodrecida…
O meu suposto valor que só nele se afirmava
Perdeu o seu esforço a sua mão calosa e escrava
Terão de extinguir-me ó míseros racionais
Que eu sem o Homem não tenho valor mais
Eu que sempre me firmei na vossa acefalia
Está-se esgotando por fim a minha transitória fantasia
«Ó sociedade moderna e enganosa, dita do valor
Tu tiveste sempre o Homem, não o dinheiro por teu autor
Mas arrancado o Homem à produção… o teu valor morreu
E o valor dinheiro, morreu também, por ser o seu…
Dinheiro dum mundo humano, suprema ilusão
Que lhe importa a ele que haja fome ou não!
 Depois de tempo infinito a passo lento!
Que procuramos agora depois de tanto tempo?
A nossa estrada acerba, dolorosa, porque errada
Só nos podia trazer forçosamente ao nada
Esse nada a que hoje nós chamamos… Tudo!
Com pregões e gritos num mundo cego e mudo…
Mas prosseguindo teimamos nos mesmos caminhos
 A selva do dinheiro, sarçal de espinhos
E onde a cada canto espreitam ávidas feras solitárias
Prontas a devorar escravos,  errantes e párias
No nosso início frágil, mil vezes, indefesos, nós carpimos
Contudo, nos braços frios da mãe-natura lá seguimos
E conseguimos entre os astros ver o Sol refulgente
Embora com a mesma angústia e a mesma dor de sempre
Mas hoje, por fim, vislumbra-mos lá ao fundo
O ventre insaciável, tenebroso e fingido do mundo
Os nossos condutores, dirigentes e padres, o sujeito do dinheiro
Que cerraram a mente, boca e os olhos, ao globo inteiro…
Procura amigo outra estrada, raciocina para além desta
Porque nesta apenas, e só, a morte aqui nos resta
No passado ainda ouvimos, por aí, rufar os rouxinóis
  Mas hoje ouvimos apenas gritos ocos de falsos heróis
Heróis de quê? Quando o abismo se nos mostra boquiaberto
Como um monstro pavoroso na escarpa dum deserto…
Movimentamo-nos à custa, confusos, temerosos, baralhados
Temos pela abstracção e o fetiche, pés e mãos atados
O dinheiro é nebulosa cadeia silenciosa e mesta
Que nos prende em férrea jaula, a Vida que nos resta…
Parou-nos as máquinas auxiliadoras que fizemos
E voltou-as contra nós, no mundo irracional em que vivemos
Eis a vida tornada bem mais negra e bem pior
Nesta sociedade fetichista e abstracta do valor…
Procura amigo outra estrada… o dinheiro é o Laocoonte
Que envolve o mundo, que fareja tenebroso o horizonte…
No teu «futuro» cego, no teu dinheiro insano
Está a hecatombe de todo o género humano
Pensa para além do dinheiro ó mísera Humanidade
 Que dentro do dinheiro não reside a Verdade!
Leonel Santos
Lisboa, Março 2013