HOMO SAPIENS SUBSPECIE MISERABILIS II

HOMO SAPIENS SUBSPECIE MISERABILIS II

Eu sou o deus do mundo inteiro
A quem o Homem vive acorrentado…
Puseram-me o nome de dinheiro
Para eu andar por´í mais disfarçado
Mas sou eu o deus, o verdadeiro
Ninguém manda mais em nenhum lado

Rezem, chorem, gritem, eu estou calado
Tudo isso para mim é indiferente
Estrebuche o faminto à minha frente
Aos montes estrague o abastado
Nada disso me dá nenhum cuidado
E valho sempre mais que toda a gente

Chamam-me Vida sim…mas sou a Morte
E sempre vos menti e mentirei
E se achar que hei-de fazer logo farei
O mais fraco vivente no mais forte
E nunca mudarei meu Fado ou Sorte
Pois nem posso mudar a minha Lei

Vós sereis mais que sempre infortunados
O que não sucede a bicho algum
Porque ao meu valor, valor nenhum
Estão, pobres de vós, agrilhoados
Eu tenho em minha dita outros cuidados
E sempre ganho mais que qualquer um

Enquanto eu reinar no orbe inteiro
Guerras só aumentarei, esforço e dor
E cada dia que vem será pior
Porque morreu o trabalho, e eu Dinheiro
Já não posso despojar o velho obreiro
Através de quem fingi o meu valor!

Se nada sou no fundo, eu sou no mundo
O encanto fatal da serpe atroz
Ninguém ouviu nem ouve a minha voz
Mas dentro de mim lá bem no fundo
Há um instinto latente e furibundo
E dorme o silêncio dum animal feroz

Para onde ides vós ó cega gente
Eu sei que não sabeis… também não sei!
Mas um segredo fundo eu arranquei
Dum pensar cativo, vero e experiente
Heráclito, chorou em tempo ausente
E eu com que razão não chorarei?

Se não sairmos do dinheiro eis nosso fim
A tragédia final da nossa espécie
Quem raciocinar o reconhece
Porque a Vida nos mostra ser assim…
Há na Tecnologia eflúvios de jardim
Mas tudo no Dinheiro se esvai, desaparece

Não olha quem chora, quem padece
A vida fetichista é sofrimento
Passa cortante e fria, neve e vento
A noite é sempre negra e permanece
O sol não ilumina nem aquece
Tudo se opõe ao raciocinamento

Se tu Homem não usares da nobre mente
Que a natureza-mãe nos ofereceu
O mundo não é nem teu nem meu
Porque andamos a cavar continuamente
Para fazer renascer uma semente
Que não volta a nascer, porque morreu!

Leonel Santos

Lisboa, Maio 2013

HOMO SAPIENS SUBSPECIE MISERABILIS I


Homo sapiens subspecie miserabilis I


Sobre o Homem exclusivamente
A mente me força a discorrer
Do seu triunfo mísero e decadente
Posto como humana forma de viver
Que pôs o abismo aos pés da gente
Depois de Céus e Terra prometer

Nunca o Homem foi tão miserável
Nem tão desprezível quanto a agora
Quando a produção é mais rentável
Mil vezes mais que foi outrora…
Mas o fetiche-dinheiro, dissociável,
Criada a tecnologia pô-lo fora!

Nenhum sistema assente no Valor
Jamais fará o Homem livre um dia
Faça ele o que fizer, vá onde for
O valor que produz…ó ironia!
Será presa do dinheiro, fetiche-mor
Deus da miséria e da selvajaria

De início lascando a pedra dura
De forma primitiva e dolorosa
Como quem tratos sofre de tortura…
E ao cabo de tarefa tão espinhosa
O Homem criou, aos poucos, a estrutura
Tecnológica, que imaginou rendosa

Mas se fora do dinheiro, bem, nos daria
Vida mais humanitária e bem merecida
Dentro do dinheiro, tem a tecnologia
Só para nos oferecer cópia fingida
Porque o dito dinheiro logo a desvia
Como omnipotente deus e rei da Vida

De início por razões carenciais
Inerentes à própria Natureza
Carências mil, sofremos, cruciais
E com a tecnologia essa crueza
Em vez de minguar aumentou mais
Toda a nossa amarga e vil tristeza!

E assim vamos nós… ó mísera gente!
Do nascimento abrupto ao frio coval
Arrastando-se no chão como a serpente
Onde o dinheiro é deus global
E o Homem de todo o bem ausente
É lançado à lixeira industrial

Não tem de produzir fisicamente
Não é preciso já, já não importa
Mas a produção com o Homem ausente
Não existe, morreu, é coisa morta
E com a máquina posta à sua frente
O fetiche-dinheiro fechou-lhe a porta

Porque a máquina faz mas não valida
E ao Homem impede a produção…
Nem a compra nem a venda é exercida
No seio da «real e vã abstracção»
Todo o Mercado emperra e se invalida
E o sistema auto-sufoca à própria mão

Eis então a nossa espécie agrilhoada
Ao último deus, ao deus final…
Chamam-lhe Dinheiro… não vale nada…
Nem nunca valeu, nem jamais vale…
É a mão da Morte mais ousada
A arrastar-nos mais cedo pr’o coval

Duas portas nós temos lado a lado
Uma dentro do Dinheiro outra lá fora
Na primeira mora a Morte e o Mercado
Na segunda o futuro da Vida mora
Se não sairmos deste meio envenenado
Já marcou o deus-dinnheiro a nossa hora!

Ó triste e miserável ser humano
Dentro do Dinheiro nunca acharás
No sonho que te embala mais que dano
Se libertar-te do Dinheiro fores incapaz
E não ultrapassas tanto engano
A tua própria cova a’brila estás!

Leonel Santos
Lisboa, Abril 2013