MAIS AMOR POR FAVOR! *
“Amai-vos uns aos outros!” disse alguém
Entendei-vos uns aos outros, não foi dito
Para quê repetir tão arcaico grito
Quando só de entender-se o mundo tem?
Que cidade é esta, que mentalidade
Controla estes bairros velhos de paredes limosas?
Onde as aranhas em fendas sinuosas
Criam sua prole no seio da liberdade
Onde a bicha-cadela anda à vontade
A conviver connosco há centenas de anos
Onde os ratos que entram e sai dos canos
São o retrato perfeito da modernidade
A parietária cresce como um bouquet virente
Dos Jardins suspensos da Babilónia antiga
Pendente de velhos muros onde a urtiga
Profetisa em silêncio o futuro da gente
Nestes velhos pardieiros actualmente
Ainda vivem a custo, a custo é bom se diga
Aqueles a quem a miséria mais castiga
E tem prometida a rua de presente
Uma ideia luminosa e ilustrada
Nestas velhas paredes, mandou agora pôr
Uns cartazes negros a concitar Amor
O que francamente é pior que nada
Vivei de Amor…Não lhe fujais!
A casa, a saúde, o pão, não têm valor…
«MAIS AMOR POR FAVOR», comam Amor
Encham a barriga até não poder mais!
Os cartazes das nossas autoridades
São astúcia de raposa mestreada
São estratégia e manha assaz velada
São de Thackeray
A Feira das Vaidades
O Amor não cai dos céus como o granizo
É preciso ter abrigo, casa, vestes, pão
O Amor é a Vida em toda a extensão
E não se pode oferecer em frases de improviso
Longe vão os anos em que o Paraíso eterno
Era às mãos-cheias impingido à multidão
Mas hoje mudou-se o nome do papão
E promete-se-lhe Amor que é mais moderno
Mas como pode alguém, que sem pão fenece
Entre paredes frias, velhas, humedecidas
Mais prontas a tirar do que a dar vidas
Conjecturar Amor, que um cartaz oferece?
Seja onde for, ninguém o consegue ver
Nunca o Amor por cá encheu barrigas
Demais estamos velhos p’ra cantigas
Já ninguém nos consegue adormecer
Vassalos forçados de automático Sir
O dinheiro-deus, o soberano-mor
Quem pode entender visões de amor
Entre paredes velhas prestes a ruir
Enquanto um mundo bárbaro se afigura
E a Tecnologia dá passos de glória
Para nos desamarrar da pré-história
E nos colocar à nossa altura
O Dinheiro, deus e rei, logo a segura
E como lapa se agarra a nova História
Para presos nos ter à sua vanglória
Para manter o peso da nossa desventura
A Tecnologia nasceu libertação
Alforria nasceu, para bem da nossa espécie
Mas no seio do Dinheiro não viça e cresce
Antes dobra e redobra, a nossa dissensão
Para quê um cartaz, que apele em vão
Ao Amor, quando tudo se esvanece
Quando o Homem morre só, quando apodrece,
Entre farrapos velhos, dum velho colchão!
*Título de alguns cartazes colados
pela Câmara de Lisboa nas paredes
de alguns bairros da cidade.
Leonel Santos
Lisboa, Agosto 2013